Capítulo IX
A surpresa
Passava da meia-noite quando Jeitosinha voltou para casa. Seu álibi foi perfeito: consumiu as últimas horas estudando Geografia com uma amiga, como costumava fazer.
Ela estava impressionada com a própria frieza: conseguiu concentrar-se nos livros e conversar amenidades, como se nada tivesse acontecido.
Mas ainda sentia nas mãos o tremor da serra elétrica. Os gritos de Ambrósio continuavam ecoando em seus ouvidos. Eram sensações surpreendentemente gostosas. Arrependimento mesmo, só o de ter perdido o capítulo da novela das nove. "A mamãe eu matarei na hora do Jornal Nacional", jurou para si mesma.
As luzes da sala estavam acesas. Viu pela janela os vultos de seus familiares. Entrou pela porta principal, preparando-se para fingir dor e desespero ao se deparar com os pedaços de carne e ossos de seu pai espalhados pela sala. Mas qual não foi o seu espanto ao perceber que não havia na casa um só vestígio de seu crime hediondo! Quatro de seus irmãos, inclusive Adenair, estavam assistindo TV, tranquilamente. Sua mãe havia se recolhido ao quarto.
- Onde está o papai? - perguntou.
- Foi pescar - respondeu Amarildo, o segundo filho de Ambrósio e Marilena.
- Pescar?
- Sim, deixou um bilhete com a mamãe, dizendo que resolveu na última hora e que volta amanhã à noite.
As belas pernas de Jeitosinha estremeceram e ela sentiu uma estranha vertigem. Realmente seu pai era dado a estes rompantes e o sumiço não chegava a espantar ninguém em sua casa. "Será que tudo não passou de uma alucinação?", questionou-se. Mas não. Observando o revestimento plástico do sofá onde o crime havia acontecido, percebeu o cheiro de detergente e marcas de pano, que sugeriam uma limpeza recente.
Jeitosinha puxou seu cúmplice, Adenair, até o quarto.
- O que está acontecendo?
- Eu é que te pergunto! - retrucou o irmão - Você não ia matar o papai?
- Matei! Eu matei! Alguém escondeu os restos, limpou a sala e ainda deixou um falso bilhete para a mamãe!
Adenair deu um gritinho ansioso e histérico. Jeitosinha esbofeteou-lhe a face e disse, resoluta:
- Calma. Você já esperou mais de 20 anos. Não acho que seja a melhor hora pra soltar a franga...
Aguardem próximo capítulo!
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